Ninguém me contou isso sobre a linha de pescar quando eu era criança.
Quando somos crianças é muito mais fácil falar dessas coisas. Mais fácil aprender.
sobre as coisas sutis,
sobre como percebê-las,
não apenas como reconhecê-las,
mas como aceitá-las, ou não.
Esse tipo de aprendizado deveria ser acadêmico, essencial e curricular,
como muitos conteúdos inúteis são,
para calibrar a discrepância
do que ensinam os criadores
aqueles que nos dão comida e banho quando ainda não conseguimos nos limpar ou ir ao supermercado,
em diferentes lugares do mundo, idades, e seus repertórios de vida.
Essas coisas são universais
talvez devesse ser classificado como ciências aplicadas para a vida
ou um capítulo chamado "lições para a vida inteira" parte das aulas de história, geografia, física, matemática, e biologia.
não.
Uma nova matéria mandatoria em todas as escolas do mundo.
a primeira aula,
o sol é para todos
e o que se tira dele
é o que se ganha dele.
a lei da ação e reação aplicada no corpo humano.
Uma fina linha e quase invisível, como a linha de pescar.
Se eu tiro dele a minha beleza,
probabilidade de ganhar câncer.
Se eu tiro dele alguns poucos raios matinais
probabilidade de ganhar vida.
Se não tiro nada
probabilidade de ganhar osteoporose e inflamações.
Isso é tão importante quanto aprender sobre a magnitude do sol.
Lição muito similar se aplica às relações humanas
nesse caso com mais regras a serem aplicadas
de soma, subtração, multiplicação, raiz quadrada, e exponenciais.
quando um faz do outro um veículo para carregar um ego,
perde-se uma vida inteira.
ou duas.
quando se cresce filhos para resolver débitos próprios,
fracassa uma vida inteira.
Alguns fatores se aplicam em quase todas as equações,
muitos são derivados do ego
ego-ismo
ego-centrismo
parece pouco,
mas vem tudo carregado de formas
de regras ilusórias
de traumas.
subtrair compaixão, potencializa o ego.
adicionar raiva, potencializa cegueira.
e por aí vai.
Foi o que aconteceu com as duas meninas, Mariana e Gina.
Elas se conheceram quando eram muito jovens
tão jovens,
mas tão jovens,
que não puderam fazer experimentos de vida
não desenharam suas próprias réguas que usamos para medir limites
poderia funcionar,
mas não.
Porque a vida de uma delas já estava perdida pelos pais
que subtrairam a comunicação,
deram tantas coisinhas bonitas e úteis
e um gigantesco espaço para o ter.
Mariana era uma adulta que nunca passou das aulas do primeiro ano do fundamental da vida,
onde os cuidadores acariciam a pele, limpam, contam estórias de ninar,
ela perdeu as lições fundamentais.
Gina não teve tempo de ser exposta às lições da vida,
ela perceberia que nunca daria certo
e pularia fora desse barco.
mas não.
Casaram nos padrões, com as tradições de véus e grinaldas,
tiveram uma filha nos padrões
e Mariana nem queria ter filhos
mas o ter era tão presente nela
que foi.
Melhor ter que não ter.
Deixaram a vida seguir
e a equação potencializar
e transbordar
todo o ruim passado para a filha
subtraindo comunicação, era o que sabiam dar,
e adicionando coisas novas,
como imposição das vontades que nunca puderam ter,
que presente e tanto
viver a vida dos pais.
Manoela, uma menina cheia de curiosidade
de fome de vida
de energia solar
Foi devagarinho sendo contaminada pelo ter
bloqueada pelos limites do poder e não poder
por pré-conceitos
por pré-ocupações
que ela acabou se apropriando e acreditando em tudo.
e por expectativas
e mais expectativas,
pobre menina
se cobriu de longos cílios,
de uma boca carnuda e sintética,
de alguns músculos aqui e ali,
de seios fartos e bem pagos,
boas notas, tinha que ser a primeira sempre
e ganhar prêmio de vez em quando para não desapontar expectativas,
em tudo.
um troféuzinho.
e foi crescendo sem crescer,
e foi amando sem amar,
e foi querendo sem querer,
seguindo padrões que não entendia,
tudo para esconder
a conta que não fechou
o resultado que deu negativo.
Uma equação de três vidas perdidas.
Mas todo mundo
viveu
ou viu
ou ouviu alguém contar
sobre essas equações descalibradas
pra mais
ou pra menos,
quando não se percebe a sutil linha onde podemos decidir
o que aceitar
e o que não.
O que mais aluga tempo na minha memória
são as equações que tiraram algo de mim,
ou que tirei
ou que colocaram
mais do que eu precisava.
Que por excesso de atenção,
resultou em sufoco.
Que por excesso de controle,
resultou em pânico.
Que por escassez de troca,
resultou em abandono.
que por doses de afeto puro, de um adulto bem formado,
e eu sem saber lidar com aquilo tudo,
resultou em fuga.
e a mais impregnada de todas,
uma relação de trabalho,
que por excesso de tentativa de abuso sexual
de um velho casado com uma mulher bonita,
e com filhas pequenas
e eu sem saber lidar com aquilo tudo,
resultou em nojo,
em silêncio,
em uma mudança de rota,
em fuga,
e a exaustão mesmo antes de começar uma carreira
em uma área que eu tinha escolhido,
por imaginar que eu teria que lidar com isso o tempo todo,
com pessoas descalibradas assim
que nao queria ter nojo de gente de novo,
esse era um lugar que eu queria estar,
falei para mim
lá não.